quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

rouco

havia já algum tempo, ele deixara de usar relógio. de pulso. pois seu celular permanecia consigo o tempo todo. mudou sua proteção de tela para um relógio digital. um paradoxo na linha evolutiva da tecnologia: relógio de bolso. não tinha certeza se obtinha o resultado almejado: a ansiedade aumentava com toda aquela movimentação para olhar as horas. passava já das sete e meia e no entanto o trânsito em sua província com síndrome metropolitana matinha-se congestionado. não que estivesse lento, estava parado! pensava em quanto tempo havia perdido, literalmente, naquele ônibus. sem poder fazer absolutamente nada. olhou para suas pernas e mudou de idéia. descia no próximo ponto, bem distante de sua casa.

ah! a sensação de liberdade era incrível... com seus passos tranqüilos ele sorria enquanto ultrapassava todos os carros que berravam por suas buzinas a epidemia de estupidez. sentia pena, eles não tinham motivos para salvar seus dias. o dele havia sido iluminado pela presença de um amigo afastado, mas que tirara um dia para curtir a amizade e ser útil no que fosse preciso. haviam bebido. havia um porre de rum e uma ressaca iminente. seu rim havia trabalhado bastante até então, resolvera suar um pouco. não achava ruim.

parou de olhar os homens. tentava recuperar o olhar virginal sobre as esquinas de sua cidade, aquele olhar sempre atento e admirado com o novo que as crianças e os turistas sempre têm. subiu na bancada que boredejava a praia: um ébrio buscando o equilibrio na beira do abismo da areia branca que antecede o mar escuro e afasta o asfalto.

cantava alto, sozinho e invisível, apesar de quase louco. só ele ouvia. caminhava de olhos fechados por alguns segundos e despertava às gargalhadas. o céu clareado pela lua senhora de si. só ele viu. "deixo que o mar mergulhe em mim" gritava aos ventos que sopravam surdos enquanto abria os braços de espuma branca para acariciar a areia. tirou a camisa e refrescou o peito. "deixo que a lua me beije, me deixe!" um beijo longo estalando luz por todos os lados. só ele sentiu. correu nu para o mar recitando a poética do ritmo das cores, solta. solto. entrou no escuro e nunca mais foi visto.

4 comentários:

Fernanda disse...

Tão bom de começar esse!

cicero disse...

havia um porre de rum e uma ressaca iminente. seu rim havia trabalhado bastante até então, resolvera suar um pouco. não achava ruim.


muito muito muito legal isso!!

acende um versinho disse...

=) Mt bom Sapo!!!

Unknown disse...

as vezes desisto do ônibus e ando pros lugares, nunca me arrependo!
muito bom o texto! =]
abraço apertado.