quinta-feira, 20 de março de 2008

Flutuador

- Bicho, conheci uma pequena que é a sua cara. Você não faz idéia do quando ela combina com você! E o melhor... é da Bahia. Você precisa conhecer...
Duas coisas aconteceram simultaneamente quando Carlos leu aquelas linhas na carta enviada por seu irmão mais velho: Um sorriso explodiu no rosto e uma música começou a tocar na sua cabeça:
"ai, ai que saudades eu tenho da Bahia
ai, se eu escutasse o que mamãe dizia..."
Como gostava daquela terra! E como gostava mais ainda das mulheres daquela terra... eram leves, sem frescuras, mas frescas... e faziam maravilhas na cozinha... Carlos sempre associava um bom amor com um bom prato de comida... tinha vó baiana, imagina como é?! Faziam outras maravilhas também, essas baianas, e ainda sabiam de cafuné, orixá, acarajé, samba, rede, Itapoã... entendiam direitinho de ser mulher, tinham aquele mistério nos olhos e aquele balanço nos quadris... aquele jeitinho...
Nas férias seguiu para Bahia e dessa vez a viagem foi mais longa do que imaginava. A verdade é que já tinha esquecido da tal pequena, era morena... da tal morena, quando chegou na "Terrinha". Foi direto pra Ribeira, depois pro Pelourinho... e fez um tanto de coisa das quais sente saudades hoje... Ah... aquilo que era Bahia! Mas nem lembrou da menina... talvez por que seu irmão já tivesse deixado de namorar a irmã da moça e nunca mais tivesse tocado no assunto.
Mas como o acaso na Bahia gosta de resolver esses desencontros... Numa tarde, dessas bem quentes, foi, meio contrariado, com um amigo, desses bem de vida da Vitória, passar a tarde no clube. Coisa mais burocrática, pensou... Preferia a liberdade do Porto da Barra, poder nadar até os barquinhos e ver o por do sol do lado de todo tipo de gente... mas paciência... o amigo queria ir para o clube... entao seguiram para o clube. Com sorte o convenceria de descer para o Porto da Barra na hora do por do sol... E foi nessa tarde que o destino resolveu promover o encontro de Carlos e Tereza.
- Essa é minha namorada, Tereza.
Tereza sorriu, estendendo a mão, logo soube que o bonitão era o tal rapaz de quem sua irmã tanto falava.
- Namorada não Teodoro, nada disso... só depois que você pedir pra papai.
Carlos olhou Tereza e não sabia se ela tinha falado sério quanto ao seu estado civil... mas isso era coisa pouco importante. Não que não tivesse esticado os olhos pra ver melhor a garota... e era mesmo uma preciosidade... mas olhou pro mar e decidiu atravessar a nado até o flutuador. Alias... ouviu na famosa "boca miúda" que entrar pra família de Tereza não era coisa fácil... tantos tios, tantos primos, tanta gente que se perderia da mocinha no meio da multidão. Deixasse Teodoro lá com seus esforços.
Barriga pra cima, sentindo o sol da Bahia esquentar todo o corpo... era tempo bom... Tereza e mais uma, que não lembra mais o nome, chegaram nadando no flutuador. E fizeram tanto charme, mas tanto charme, e a danada era mesmo charmosa... que Carlos nao resistiu e pediu o telefone. Depois sairam, uma, duas, três vezes. E Tereza era jeitosa... era Carlos hoje, era Teodoro amanhã... depois tinha uma folga... e começava o rodizio... pra ser bem justa... Carlos sabia de Teodoro... Teodoro?!... Problema dele....Surgiu até uma lenda que Tereza sempre levava dois sapatos na bolsa. Uma sandália baixinha, pros dias de Teodoro e um salto mais alto, estilo boneca, pra se encontrar com Carlos.
E finalmente chegou a noite do baile. Aquela era a festa mais esperada do ano e Carlos se arrumou apressado... era dia de Tereza, não perdia isso por nada. Ligou para a amada avisando que ia demorar um pouquinho... que tinha que buscar umas amigas do Rio antes de pega-la em casa. Carlos era carioca. Tereza se chateou, fez birra, fez bico e finalmente disse, toda independente, me encontre lá então. Carlos obedeceu, não sem insistir... mas conhecia a pequena e seu orgulho era dos grandes.Chegou quando a banda já tinha começado. A banda era boa. Ia dançar agarrado na cintura de Tereza a noite toda, cheirando seu pescoço e tendo arrepios. Desceu o elevador do clube arrumando o cabelo, o terno, o sapato... queria fazer bonito. Quando a porta do elevador abriu, se deparou com Tereza. Linda. Vestido rosa, cabelo solto, ombros a mostra. E ao lado de Tereza... Teodoro. Filho da puta. O sangue subiu. Carlos sentiu o corpo todo tremer, esquentar. Não conseguia pensar em nada. Era bicho. Era bicho ferido. Era homem apaixonado. Espumando, apertando os dedos na palma da mão, foi andando em direção aos dois. Uma das amigas tentou segura-lo, a outra tapou os olhos para não ver a tragédia. Cena de filme. Camera lenta. Tereza olhou para trás, viu Carlos vindo. Teodoro recuou nas investidas e se preparou pra porrada. Para apanhar, bem possivelmente. E Tereza continuou olhando para Carlos. Sorriu, mentiu suas feições preocupadas... Só não conseguia controlar as pupilas. Os olhos dele baixos... achou que estava mesmo decepcionado, não era sua intenção deixa-lo triste... queria só uma ceninha de ciume pra se vingar... Mas estranho... Carlos tinha um sorriso, de canto de boca, é verdade.E finalmente chegou bem perto dos dois... Pegou Tereza, 1 cm de distancia, a respiração dos dois falhando. Agarrou mesmo, no meio de todo mundo, e deu um daqueles beijos... daquels demorados... que os antigos e as crianças chama de chupão.
E foram esses trinta segundos que mudaram toda a vida de Carlos e Tereza. Ou que definiram o que o acaso já queria.
E como estava bonita com aquele sapato alto de boneca... flutuava nos braços de Carlos.