quarta-feira, 26 de março de 2008

o rastro dos ratos

tarde da noite. últimos ônibus na velha estação central. rostos exaustos aguardam. ratos fartos passeiam. restam ainda alguns poucos baleiros: olhos vermelhos e uma cara impaciente de quem não agüenta mais dar informação. passa um engraxate. está descalço. está drogado e não sabe para onde nem como vai. trapos, plásticos e papéis cobrem corpos que dormem próximos aos pilares.

durante o dia sol forte, pombos suicidas e muitos sons onde vende-se e come-se de tudo. no silêncio da noite uma réstia de luz soturna e o resto: o lixo. o lado bom da miséria é privilégio dos ratos. se alimentam do resto da sobrevida dos outros, fazem festa onde a comida é farta! o chão sujo é um parque de diversões. as reformas são sempre uma promessa, por isso os bueiros não têm grade e eles circulam tranqüilos: o medo é dos humanos. é impossível prender um rato, eles fogem da luz, são ligeiros, são hábeis, escorregadios, são unidos, são amigos, são políticos. sempre conseguem o pedaço de queijo, ou de pizza, antes que funcione a armadilha.

ratos à noite não chamam muita atenção, mas na manhã seguinte, ainda cedo, quandos os mesmos rostos voltam ao trabalho após o sub-sono a que têm direito, é difícil não estranhar o rato morto e molhado na calçada. estranho porque, embora morto, está intacto: nenhum sinal de mordida, sanque ou pancada. de que teria morrido o rato?

bom, resta uma certeza: de fome é que não foi. afinal, no país dos miseráveis só os ratos não morrem de fome.

Nenhum comentário: