segunda-feira, 21 de abril de 2008

Pituba III

Era 2007 mas tinha cara de 86. E mesmo assim, ninguém podia imaginar o dia-a-dia daqueles homens, que como já dizia a venerável bióloga que desempenha o papel de mãe para eles, cada um desses moços, até o mais frouxo deles, pode ser considerado um verdadeiro herói.


Que eram tardes salpicadas pelo rebento das ondas, levantadas pelo vento forte que dava ali, e que misturado esse salpico ao cheiro forte das algas secando ao sabor do sol, o famoso sargaço, essas tardes se tornavam praticamente um peso no corpo de qualquer um. E que essa sensação era tão forte, capaz de impedir qualquer movimento brusco ou qualquer ação que destoasse do bocejar freqüente, isso todos os freqüentadores daquela prainha sabiam.

Um sol que ainda não era fraco, a sobrancelha levemente salgada e o corpo flambado pelo intemperismo somavam àquela situação uma sensação que poucos sabiam descrever. No máximo poderiam comparar a algo parecido com o que era sentido na praia de Aratuba.

E o progresso não conseguiu mudar aqueles pescadores. Não. Talvez tenham sido eles que não conseguiram acompanhar o progresso. Eu só sei que eles até tinham um freezer, que ficava ligado com a energia de um gato, que disfarçado entre tantos outros que se alimentavam de sardinhas ali por perto, nunca foi um problema para a colônia Z-1. E esse freezer nunca, nunquinha entrou um peixe ali dentro. Antigamente, quando a pesca era farta, os homens do mar traziam a quantidade que era vendida. Hoje em dia eles trazem o que conseguem, e às vezes chegam a suprir as necessidades diárias dos fregueses e a deles próprios, que vêm secundariamente, é claro. E assim o friza se acabou sem nunca ter tido grande uso.

O fato é que nenhuma novidade vingou naquela colônia. Quando ali não era colônia de pesca ainda, quando os índios chamavam uma pedra parecida com uma canoa de Itaigara, os avôs desses pescadores encontraram a imagem de uma santa ali na praia. Não gostavam muito de novidade e tinham certeza que aquilo foi lixo de algum daqueles banhistas esporádicos e exóticos que passavam por lá. Mas deram o azar da história chegar ao ouvido do capitão da região, herdeiro daquelas terras. Ah... pra quê? Fizeram uma paróquia, chamaram de Da Luz, depois vieram as avenidas, e logo em seguida as ruas. A paróquia virou igreja, as casas viraram escolas de freiras. Os largos viraram praças e aquela linda praia virou lote. Veio clube da Europa, vieram mais ruas, veio cais. Vieram tantos veranistas, que para sagrar o império do progresso, só mesmo um parque com nome de imperador romano poderia explicar. E não era de se surpreender, que a uma altura daquela, em pleno regime militar, as ruas daquele bairro novo se chamassem pelo nome dos estados, salientando a unidade da nossa pátria amada positiva.

Os pescadores? Ah, esses não mudaram nada. Continuam no mesmo lugar de muitos anos atrás, localizados estrategicamente numa enseada calma, protegida por uma barreira de pedras que já não tem mais corais. E continuam fazendo a mesmíssima coisa. Só que agora, a gente não consegue mais olhar pra lá e saber que ali se encontra uma colônia de pesca, uma aldeiazinha de pescadores. Timidamente e através de uma plaquinha eles se intitulam pelo nome de “peixe fresco”.

E hoje em dia eles continuam sem gostar de novidade. Ah, é claro, com a exceção do aparelho celular, que desses aí tem mais de dois por cabeça de brasileiro. Mas eles ainda pescam de jangada e canoa, conquistam as suas mulheres com cerveja, vinho e galinha, e continuam achando que é muito doce morrer no mar... quem quiser ir lá ver com certeza será bem vindo. O Ioiô ou a Iaiá serão bem recebidos, e por eles com certeza irão saber o que são tardes salpicadas pelo rebento das ondas, levantadas pelo vento forte que dá ali, e que misturado esse salpico ao cheiro forte das algas secando ao sabor do sol, o famoso sargaço, essas tardes se tornarão praticamente um peso no corpo de qualquer um. E que essa sensação é tão forte, capaz de impedir qualquer movimento brusco ou qualquer ação que destoe do bocejar freqüente. E talvez, se o Ioiô se mostrar amigo e amistoso, ainda pode ouvir algumas histórias boas dali, como por exemplo do dia em que o primeiro índio passou uma tarde ali, e ao sentir esse ventinho quente, com gosto e cheiro de mar, chamou aquilo ali de pituba, sinônimo de bafo, sopro, exalação e maresia.

3 comentários:

Daniel Farias disse...

eita porra. isso tá com uma cara de livro. juro q estarei vivo no lançamento. dando um abraço demorado.

Daniel Farias disse...

eita porra. isso tá com uma cara de livro. juro q estarei vivo no lançamento. dando um abraço demorado.

Anônimo disse...

=) Valeu a pena esperar!