terça-feira, 1 de abril de 2008

Queda

Ao lado da cama, sobre o criado mudo, escrevera:

Hoje me atirei de um abismo alto, enquanto estava lá em cima, antes de saltar, me vieram várias lembranças, sorrisos, histórias que se desfizeram com o tempo. Senti saudades, reconheci que mesmo desatenta, estive aqui o tempo todo, permeando vidas alheias, modificando a mim e ao meu contexto, causando efeitos, respirando e só.

Ainda assim, não desisti. Era alto e imenso, não se via o chão lá de cima, só um vão entre nuvens e algumas gotículas de água que subiam de volta da terra. Abismo de vento e água, buraco sem fim, nem começo. O lugar da dúvida.

Pensei ainda no que ficaria para trás, mas me segurei à curiosidade do que viria à frente, se viesse algo. Não gosto de mágoas e possuo uma coleção. Não sou de negar, mas fazia todos os dias. O abismo era inevitável, era só ele e eu.

Quando cerrei os olhos, tudo se esvaiu, meu coração batia tão alto que ensurdeceu meus pensamentos, os pés desesperados - sempre o foram- por um chão, balançavam pelo ar sem esperanças, as mãos espalmadas como se quisessem abraçar o abismo, o estômago na boca. Eu era só a mistura de mim, gravidade e um turbilhão de pensamentos. Descontínuos, indecifráveis, inconcebíveis.

O corpo todo tenso, como se rogasse por algo a que se agarrar, de longe os ruídos de tudo ao redor, vozes que conhecia, outras que não; os olhos fechados e amedrontados com a idéia de se abrirem. E foi no amedrontamento que o fizeram.

A cama continuava estreita e solitária no centro do quarto, a parede terrivelmente branca resplandecendo a luz do dia, o armário com suas portas mal encaixadas e a menina de Monet sobre a estante.

O corpo ainda enrijecido, a falta de ar, o silêncio. Agradeceu 30 de vezes e se arrependeu uma só. Estava tudo no mesmo lugar de antes.

Um comentário:

acende um versinho disse...

Eba! Inédito! Lindo! =*
A queda... o mais dificil é esse momento de perder o chão. Dá pra voar, não??!!