domingo, 13 de abril de 2008

Zé Canário ou do sem ninho

Das aulas de psicologia criminal

Ainda pequeno, bem criança, não gostava de badogue. Brigava, de arrancar pedaço, com quem fizesse mal a passarinho.
Foi crescendo de pés descalços no chão e olhar no céu, visão aguçava para as cores e o voar e ouvido sensível ao cantar dos passáros.
Com treze anos foi parar na cidade. O pé num chinelo de número menor, a barriga, além de cheia de vermes, cheia de fome. Foi sozinho. Mas a única coisa de que de verdade sentia saudade era dos passarinhos. Não que não tivesse carinho pelos seus, mas tinha mesmo era muita solidão naquela labuta de plantar tanto e comer tão pouco. Quase não falavam em casa. Ai quando o pai conheceu a agua que o passarinho não bebe e ficou de olhar estranho, se tornou brabo que nem bicho...não teve diálogo. Foi embora, porque podia causar estrago maior do que o estrago que tentou evitar quando foi pego com o facão na mão e a garganta do pai no facão.
A primeira vez que matou foi também foi a primeira vez que viu um passarinho na cidade.
E dai em diante, para cada morto, uma gaiola.
Virou um ritual, comprava as balas e uma gaiola. Matar virou um gosto também e uma profissão. Fez nome, negócio e começou a cobrar, além do valor que reputava justo pela vida do desalmado, um canário. Os passarinhos eram testemunhas ocultas de seus crimes. Neles confiava, dizia alto que canário não dava um piu sobre o que via de amigo.... E fez fama. Tanta fama que os rumores cairam nos ouvidos dos que defendiam: Bandido não faz carreira ou bandido bom é bandido morto... essas coisas. Por sorte foi pra prisão. Dezoito anos recém completos.

Quando o juiz o chamou para depor, olhou para o chão. Só ficou um dia em liberdade depois de cumprida toda pena. Durante todos os anos que ficou preso,deixou seus canários aos cuidados de uma vizinha que por amor e dó comprava alpiste, limpava a gaiola e trocava a agua. Foi visita-lo uma vez para dizer que um dos canários tinha morrido mas que os demais estavam bem. Só não cantavam.
O juiz perguntou:
- Mas por que Zé Canário? Você tinha tão bom comportamento...
- O doutor quer mesmo saber?
- Quero sim. Porque Zé Canário?
- É que quando voltei pra casa,doutor, soltei todos os meus canários. Todos doutor, todinhos. E o senhor bem sabe que eram muitos, doutor. Eram muitos. Ficar em gaiola não presta doutor, eu estava convencido disso e de que eles mereciam liberdade também, eu achava isso de verdade e estava certo de que eles iam voar. E voaram, voaram alto. Mas logo cairam. Cairam duros no chão, doutor. Todos. Menos de 10 segundos no ar. Iam alto e caiam. Eu não aguentei Doutor. Eu queria, de verdade doutor, que desse pra viver em liberdade. Mas abrem a porta da gaiola e mandam voar.... a gente já não sabe, doutor, onde fica o céu. As vezes é melhor ir pra debaixo do chão. E foi pensando nisso tudo e pensando em nada, que atirei na coitada e em todos passarinhos... porque vocês fizeram dessa gaiola o meu ninho e eu só sabia voar de volta para aqui.

2 comentários:

Daniel Farias disse...

só pra registrar: não tenho mais nada pra falar.

Anônimo disse...

poxa... que texto lindo!